terça-feira, 8 de março de 2011

NO ESTRANGEIRO - O GESTO É TUDO



NOTA: este artigo, da minha autoria, foi publicado na revista "Notícias Magazine"

Para si, que gosta de viajar, leia o que segue. Para si, que “sai para fora cá dentro”,
não desdenhe a mesma leitura. Saibam todos que há gestos interditos
e etiquetas recomendadas para quem contacta com outras gentes
de outros países e de outras civilizações .
Se não poder decorar, leve consigo uma cópia desta peça. Depois não se queixe
que foi mal recebido pelos autóctones!


Contou-se e registou-se uma célebre gafe de Richard Nixon, então presidente americano que, numa visita à América latina nos anos 50, saudou à chegada com aquele gesto tipicamente americano para dizer OK. Formou com os dedos polegar e indicador da mão direita um circulo, sem adivinhar que todos os jornais do dia seguinte trariam nas primeiras páginas aquele sinal de mãos. Alguém lhe explicou, tardiamente, tratar-se de um gesto que, naquele continente, é utilizado como convite a uma relação sexual. Nixon engoliu em seco e deve ter dado uma sova verbal nos seus assessores diplomáticos.
Pior ainda, foi aquela surra que um meu amigo levou na Turquia quando decidiu fazer auto-stop com o punho fechado e polegar no ar, indicador da direcção da boleia. Três turcos carrancudos não gostaram da grosseria de conotações sexuais e injuriosas, supostamente dirigida a eles.
Segundo dizem, os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e os cuidados também não. Necessário se torna para os viajantes seguir as regras de etiqueta fundamentais, os costumes e os comportamentos dos indígenas dos países a visitar, pois são claramente distintos dos nossos. Mais cuidado se torna a utilização da linguagem corporal, dos gestos e ademanes.
O cumprimento social
Viaje o leitor para a Rússia e fique a saber: o cumprimento do eslavo, mesmo entre homens, é um beijo na bochecha; mas, esperem, por vezes até na boca! Nos países islâmicos não irá receber o beijo, mas não lhes estenda o “bacalhau”; coloque a sua mão direita sobre o peito, do lado do coração, depois eleve-a até à testa e passe-a pela cabeça, nesta sequência.
Se vir um chinoca, um japonês ou um coreano inclinar-se à sua frente como um girassol, é sinal de que o está a cumprimentar. Você faça o mesmo, inclinando-se o suficiente para reconhecer a dignidade do cumprimentado. A inclinação do corpo e da cabeça é tanto mais intensa quanto maior for o respeito pela pessoa. Na Índia e na Tailândia o cumprimento é mais discreto e cerimonioso. Cumprimentam o visitante juntando as mãos à frente do peito, em prece.
O aperto de mão é o mais comum na maior parte do Mundo. Há quem junte ao aperto de manápulas, à moda latina, um abraço efusivo e umas palmadinhas nas costas. Não o faça perante os escandinavos e, pelas mais elementares regras da etiqueta, quando apertar a mão a alguém evite ter a outra camuflada atrás das costas, na algibeira do casaco ou das calças.
O leitor mais propenso a viagens exóticas, prepare-se para encontrar cumprimentos de indígenas em estado semi-selvagem. Alguns cumprimentam mostrando a língua, outros lambendo as faces do visitante ou esfregando nariz contra nariz. Nem se admire o leitor se viajar pela Nova Zelândia e alguém lhe cuspir nos pés. Tratar-se-á de um maori e está a cumprimentá-lo com todo o respeito. Como é apanágio de alguns portugueses, puxe da saliva e faça o mesmo. Arranja um interlocutor e um amigo.
Gestos de mãos
Um senhor chamado Mario Pei contou 700 000 sinais corporais distintos com que os humanos são capazes de comunicar sem palavras e o estudioso M. Krout contou 5 000 gestos diferentes para as mãos, cada um correspondente a uma expressão verbal. Há quem assegure que comunicamos em 7% pelo conteúdo das palavras, 38% pelo tom de voz e 55% pela expressão não verbal, gestos de mãos e expressões faciais. É sabido que em países estrangeiros, principalmente onde não dominamos a língua, existe a tendência de comunicarmos através dos gestos. Ora, meus amigos, perante autóctones que não compreenderão patavina da nossa língua, nos 55% é que está o busílis. Muitos gestos das mãos e dos dedos, constituem linguagem mimética, quase sempre informativa, por vezes insultuosa, grande parte interdita. É com esta exacta forma de comunicação que se entendem os surdos-mudos, é com ela que os oradores (principalmente os parlamentares) dão ênfase aos seus discursos e verborreias.
Há gestos que não revestem propriamente formas de comunicação. É o caso da pouco higiénica passagem dos dedos pelas cavernas do nariz. Quem “limpar macacos” na Líbia e na Síria pode fazê-lo sabendo que a mensagem passa com o significado de convite sexual. E se, no cúmulo da limpeza ou do prurido nasal, o leitor der em colocar o polegar e o indicador nas duas aberturas nasais, está a insultar o nativo com qualquer coisa semelhante a “vá para o diabo que o carregue”. Contudo, caso esteja nalgum lugar da Arábia Saudita e tenha “pescado o macaquinho”, retirado o dito e enrolado para o lançar algures, pode crer que a pessoa na sua cercania terá esse gesto como uma ameaça de morte e o leitor não saberá árabe suficiente para convencer o indignado do contrário. A sua mãezinha não lhe repetia que o dedinho não se mete no nariz?
Nem só no interior dos canais nasais a linguagem é perigosa. Basta saber que coçar o nariz com o indicador é, na Jordânia, um anódino convite sexual à dama mais próxima de si, tanto mais grave se o respectivo esposo estiver por perto. E o simples sinal de silêncio que se faz vulgarmente colocando o indicador em riste à frente da base da penca nasal, é tido na Síria e no Líbano como uma ofensa ao homem que se encontrar diante. É como se o chamasse pederasta ou homossexual, o que pode não ser o caso, infelizmente para a sua integridade física.
Para infelicidade do amigo que visitou a Turquia – já referido, a abrir – eu não tinha escrito esta peça. Ficou porém a saber que o simples gesto de pedir boleia com o polegar no ar é perigoso para aquelas bandas. Este sinal é originário dos Estados Unidos e serve para conseguir fazer parar as viaturas que nos hão-de conduzir, como penduras, ao local pretendido. Mas esse gesto, quando firme e fixo, pode significar, entre nós, qualquer coisa como OK, super ou impecável. No entanto, no Japão tem o significado de cinco, no Punjab sinónimo de desistência e impotência sexual, a ideia de companheiro e camarada no Japão e insulto de carácter sexual em quase todo o continente africano, Irão, Rússia, Turquia, Austrália e Médio Oriente. Em Espanha, mais precisamente no País Basco, significa apoio à causa separatista.
Não faça estalidos com os dedos indicador e médio para chamar o empregado num café ou restaurante do Japão ou dos Estados Unidos. Essa atitude é tida como desprezo, de tal forma que nem mesmo a pode aliviar através de uma boa gorjeta. Use estes dedos para formar o V de vitória em qualquer parte do mundo, à excepção da Austrália, pois significa para eles, em linguagem lusa, que está a mandar alguém “para baixo de Braga”.
O dedo mínimo não está livre de conotações proibidas. Veja-se, por exemplo, quando se ergue o dedo mínimo, solitário, com o punho fechado, para dizermos que “é o meu dedo mindinho que adivinha”. Na América latina significa que nos regozijamos com a magreza do interlocutor, se ele não for bem abonado de carnes nem tiver aquele aspecto saturado de gorduras e colesterol, enquanto no Japão o mesmo gesto é maliciosamente tomado com o significado de amante. Nesta última hipótese, imagine o leitor que o faz diante do casal seu anfitrião!
Há quem tenha por costume unir o polegar de uma mão com o de outra e o mesmo com os dedos indicadores, formando um losango. Perca este hábito na América do Sul quando estiver diante de uma senhora, pois está a querer dizer que ela é prostituta. Esse losango, segundo os nativos, é a representação manual do órgão feminino e, na dúvida, as mãos nos bolsos livram de valente chatice. O mesmo acontece se, nas mesmas paragens sul americanas, esfregar as mãos (sinal de contentamento entre nós), o que equivale a chamar a senhora de lésbica. A situação seguinte seria imprópria para cardíacos.
Jamais se coloque em frente de um italiano com as mãos juntas, em prece, tendo os polegares erguidos. É como se estivesse a chamar burro ao transalpino e ele não irá gostar da conotação. Na Líbia, o leitor deverá pensar duas vezes antes de colocar a palma da mão no pescoço: se estiver frente a uma mulher ela tomará a atitude por convite ao sexo; se for o marido dela, é como se estivesse a dizer-lhe que é homossexual.
Na Grécia não exiba a palma da mão com os dedos esticados e abertos. Os gregos tomam o gesto como ofensa grave ( a moutza) e o viajante, à conta dele, pode ver-se grego para se livrar de arrelias. Em alguns países africanos pode ter o significado de “filho de cinco pais” para quem for exibido. Na Turquia, o mesmo gesto é visto como um elogio. Já no México, é motivo de desafio estar em frente de um natural com as mãos nos quadris. Outro tabu é cumprimentar um árabe com a mão esquerda. Deve ser utilizada a direita (e nunca a de uma mulher), uma vez que a mão esquerda está reservada para a limpeza das partes íntimas. Nada de beijos e abraços. O mais eficaz é ficar mesmo pelas palavras como “salaam” ou “salaam alaykun”.
Refeições, restaurantes e gorjetas
No Japão pode fazer aquilo que não se atreve a fazer à mesa de um restaurante lisboeta. Chupe o macarrão e o esparguete como se fosse um aspirador, beba a sopa directamente da tigela, sem colher. Na China, nem se importe com os ruídos do sorver, pois é um elogio à cozinheira. É também na China e nos países islâmicos que cai bem ouvir um arroto no final da refeição. A sonoridade do mesmo classifica, numa escala de decibéis, o valor do pitéu. Para mostrar que não quer repetir, fixe esta mensagem “discreta”: chupe os dedos.
Atenção, muita atenção: se é canhoto, pratique com a mão direita o uso da colher e do garfo. Na Índia, Egipto, Marrocos, Malásia, Tailândia e Arábia Saudita, a mão esquerda é indigna de levar o comer à boca. Reservaram para esta os cuidados da higiene das ditas “partes”.
Dirão que os tabus só existem nos países exóticos e de arreigados costumes antigos. Pois então anote que, na Inglaterra, não deve passar o pão nos molhos e, em França, não palite os dentes (manuseando o cure-dent), nem mesmo com a outra mão a servir de biombo.
Na maioria dos restaurantes árabes – pelo menos, os mais tradicionais – as mulheres e os homens sentam-se em zonas separadas. Nestes locais evite sentar-se de perna cruzada com a sola do sapato virada para outra pessoa. Mesmo que, entre os presentes, reconheça o rei do petróleo, nunca aponte com o dedo.
Não convide um árabe para comer carne de porco nem um indiano para degustar um bom bife de vitela; aceite de um japonês uma chávena de chá a ferver e não faça má cara à bebida pouco aromática que um tibetano lhe ofereça; a mulher ocidental não deverá propor um brinde na Alemanha e saiba que ofenderá o anfitrião irlandês ou russo se recusar, sem motivos de saúde, uma bebida alcoólica.
Para evitar um equívoco, não faça a apreciação de um bom prato à anfitriã japonesa colocando os dedos indicadores no lóbulo da orelha. A senhora ficará envergonhada com a descortesia por entender que serviu um prato demasiado quente. No Japão , se tiver de pedir ao empregado qualquer coisa em número de quatro não o faça exibindo os quatro dedos da mão, pois este tomará o gesto com um insulto acima de “besta e quadrúpede”. Na Itália, não se ofenda se o empregado de mesa lhe perguntar se pretende um ou dois “cornicio”, pois trata-se de pepino em conserva. Nem tampouco recuse um aferventado prato de caldo verde se o empregado italiano lhe recomendar na ementa escrita na lista del giorno a afamada “zuppa di cavolo”.
Quanto à gorjeta, pode optar por sair com os trocados no bolso ou esportular qualquer coisa entre 10% e 15% sobre o valor total do serviço, aumentando a percentagem se foi tratado com a excepção reservada aos marajás. Evite dar gorjetas na Coreia do Sul, em Cingapura e no Japão, para que os empregados não fiquem com os olhos em bico.
No geral
A leitora que viaje para um país islâmico deve levar um véu ou um lenço para cobrir os cabelos e prepare-se para assumir um papel de segundo plano, igualzinho ao que reserva ao “caniche” lá de casa. Não vista o vermelho no mês do Ramadão e, se não quer passar por viúva, não use roupas de cor roxa no Egipto.
O leitor não se mostre indignado se a respectiva esposa, de andar donairoso, lhe disser que levou um apalpão num souk (mercado) do Egipto ou de Marrocos, pois aqueles árabes são danados para a brincadeira... com a mulher dos outros, evidentemente.
Os leitores evitem espirrar diante do anfitrião japonês e não se assoem nas ruas da Coreia do Sul. Na Síria não faça expelir o fumo sobre o rosto de uma mulher, uma vez que, para além de uma geral atitude nada polida, é tida por um convite para a cama. No Japão não ria alto de uma anedota nem, no país do Taj Mahal, encare fixamente um indiano, pois sentir-se-á humilhado.
Na Rússia não trate os naturais por camaradas (tavaritch) e, se o leitor é do sexo masculino, evite dirigir-se a uma mulher árabe em público nem a cumprimente com beijos ou abraços, mesmo que esta seja afegã e se esconda por dentro da burka. Nas mesquitas não entre calçado e não se misture na zona das mulheres, se for homem, nem na zona dos homens, se for mulher. Para evitar contrariar a higiene, em Marrocos leve consigo papel higiénico, pois não o encontrará ao lado da sanita.
Ao abanar a cabeça em sinal de sim ou não, saiba o leitor que o sinal por nós tido como de negação tem na Bulgária, Índia e Paquistão o significado de “sim”. E este simples equívoco pode deixá-lo numa verdadeira situação embaraçosa, se não tiver o cuidado primário de saber, na língua nativa, estas duas expressões de afirmativa e negativa.
Antes de viajar, siga o conselho deste arrazoado e consulte um bom guia turístico, mormente aquele que avise sobre atitudes e costumes. Não deixará ficar mal a já pouco afamada cortesia dos patrícios e poderá evitar aborrecimentos e situações críticas que, porventura, não resolverá com um bom punhado de dólares. A não ser que queira passar as férias num hospital. Férias, enfim, para turista esquecer.

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